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A importância do Mito

O Ovo Cósmico (Salvador Dalí)

O Ovo Cósmico (Salvador Dalí)

Gosta-se de acreditar que as coisas em seu início se encontravam em estado de perfeição; que elas saíram brilhantes da mão do criador. (Michel Foucault) 

O mito foi, pois, surgido da necessidade de responder ao inexplicável, dar nome as coisas inomináveis e rememorar tempos muito remotos que ultrapassam a memória dos viventes. Desde seus primórdios o mito teve em sua essência essa função: dar respostas às perguntas sobre o mundo e como as coisas funcionavam. A função atribuída ao mito é a de narrar de que forma tudo o que nos circunda foi criado. De que forma poderiam os homens conhecer sobre as origens do mundo, sem ter os meios e as ferramentas para isso, que não fosse por meio dos mitos? O mito é a primeira forma de ciência, pois se trata de especulações sobre a origem do mundo. (BIERLEIN, 2003). “o mito éa primeira tentativa tateante de explicar como as coisas acontecem, o ancestral da ciência. Também é a tentativa de explicar por que as coisas acontecem, a esfera da religião e da filosofia.” (BIERLEIN, 2003, p. 19).

Ora, porque então o Sol surge no horizonte e novamente no dia seguinte? Para nós, hoje, essa parece uma pergunta um tanto quanto simplista, no entanto, para nossos ancestrais há muitos séculos atrás essa era uma pergunta sem resposta, um mistério. Ora, a resposta para suas indagações culminava na seguinte resposta: isso se deve a ação dos deuses, os Entes Sobrenaturais. A visão que se tem hoje daquilo que é mito retrata-o como algo falso, uma mentira. “A palavra mito traz à mente mentiras, fábulas ou falácias que muitos tomam por verdades.” (BIERLEIN, 2003, p. 19). Além disso, “O mito, portanto, é ingrediente vital da civilização humana; longe de ser uma fabulação vã, ele é ao contrário, uma realidade viva” (ELIADE, 2007, p.23).

A construção do discurso à cerca do mito foi modificado ao longo do tempo, como o tempo foi alterada sua compreensão e sentido entre os gregos onde “o termo mythos passou a se limitar ao relato irreal e irracional, contrariamente ao logos que designava um discurso verdadeiro e racional.” (CADIOU; COULOMB et al., 2007, p.20).

A contemporaneidade construiu em torno de si, embasada pelo discurso científico, que as concepções para aquilo que é verdadeiro devem passar pelo crivo da ciência. A ciência tem o papel de validar. Algo só pode ser tido verdade se ele é “comprovado cientificamente”. Devemos observar que os homens primitivos desconheciam os moldes atuais de ciência, e desconheciam também das causas naturais para as coisas. 

Para além de uma explicação para o mundo, o mito constitui a forma como se estabeleceu o mundo, como se deu a ordem de todas as coisas, o mito justifica o porquê do mundo é o que é e não o é de outra forma. O mito estabelece o sagrado e o profano, o bem e o mal, a ordem social, a base econômica. O mito é aquilo que atribui um significado para a vida e a existência humana. J. F. Bierlein ainda acrescenta que “O mito dizia aos povos antigos quem eles eram e  qual era a maneira correta de viver.” (2003, p.18).

O mito conta uma história sagrada; ele relata o acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do ‘princípio’. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma ‘criação’: ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. (ELIADE, 2007, p. 11).

Assim como todos os povos antigos, os nórdicos também estabeleceram seus mitos, ritos, lendas, e que, com o passar dos anos e da desmistificação nos são conhecidos como mitologia. Os nórdicos criaram mitos para explicar de que modo o mundo surgiu ‘uma realidade total’, ou o motivo pelo qual os salmões tem a cauda fina, ou seja, para explicar um ‘fragmento’ da realidade. O mito será, portanto, uma maneira pela qual os povos antigos encontraram de transmitir através da oralidade e dos rituais, as dimensões de ver e sentir a realidade, atribuindo-lhe significado. Os deuses e os Entes Sobrenaturais, além de tudo isso, ainda irão servir como exemplo de moralidade, de bondade, um exemplo de conduta para o ser humano em suas condições.

Graças a transmissão oral passada de geração à geração pelos povos nórdicos, é que no século XIII, cerca de trazendo anos após a cristianização da Islândia, o poeta e historiador Snorri Sturlusson conseguiu captar e registrar os principais mitos e lendas que fazem referência e alusão aos deuses e heróis da religião dos povos nórdicos. Ele os registrou em seu livro Edda em Prosa.

Os escaldos do norueguês skald eram os membros que compunham um seleto grupo de poetas das cortes dos líderes escandinavos e islandeses, que através de seus poemas difundiram oralmente as lendas antigas. A escrita rúnica apresentava aspectos sagrados e por este motivo não era utilizada para fixar os poemas míticos. “o livro de Snorri como fonte primária, sua estrutura é a de uma fonte secundária [um texto altamente elaborado sobre a mitologia nórdica, baseado em fontes primárias, muitas das quais perdidas para nós].” (CARDOSO In: CANDIDO, 2007, p.7). “Os escaldos eram os bardos e poetas da nação, uma classe muito importante em todas as comunidades ainda no estágio primitivo de civilização. Eram os depositários de muitas narrativas históricas” (BULFINCH, 2006, p. 230-231), e como todos os poetas antigos, são importantes protetores do aspecto da tradição oral de seus povos, pois, mantém viva a memória de seus antepassados. Sua função era rememorar.

A oralidade foi fundamental para manter vivos os mitos até que estes fossem fixados na forma escrita. Aqui entra a importância da transmissão oral para manter vivo o mito, de forma pela qual faziam os escaldos, como aponta Eliade “Ao recitar os mitos, reintegra-se àquele tempo fabuloso e a pessoa torna-se conseqüentemente(sic), ‘contemporânea’, de certo modo, dos eventos evocados, compartilha da presença dos Deuses ou dos Heróis.”(2007, p.21). Recontar o mito é revivê-lo.

Dentro desde contexto as narrativas das lendas têm um papel muito importante. Porque a lenda sistematiza e ordena realidades, no ato de sua transmissão oral, envolve tanto o narrador como os ouvintes vivem num tempo e num espaço a reintegração dos acontecimentos da história. (OLIVEIRA; LIMA, 2006, p. 5).

Dessa forma conclui-se que o mito constitui-se como aspecto importante, não só para a formação identitária de um povo, mas para sua compreensão em torno de si mesmo e do mundo que o circunda. A partir dos mitos podemos analisar as visões de mundo dos nossos antepassados e de que forma encaravam a realidade.Dessa forma conclui-se que o mito constitui-se como aspecto importante, não só para a formação identitária de um povo, mas para sua compreensão em torno de si mesmo e do mundo que o circunda. A partir dos mitos podemos analisar as visões de mundo dos nossos antepassados e de que forma encaravam a realidade.

REFERÊNCIAS:

BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: história de deuses e heróis; tradução David Jardim. – Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

BIERLEIN, J. F. Mitos paralelos; tradução de Pedro Ribeiro. – Rio de Janeiro, Ediouro, 2003.

CADIOU, François; COULOMB, Clarisse et al. Como se faz a história: Historiografia, método e pesquisa; tradução de Giselle Unti. – Petropólis: Vozes, 2007.

CARDOSO, Ciro Flamarion. Aspectos da cosmogonia e da cosmografia escandinava. DIAS, Alan Ney. Ragnarok: o crepúsculo dos deuses In: CANDIDO, Maria Regina (Org.). Mitologia Germano-escandinava: do chaos ao apocalipse. Rio de Janeiro: NEA/UERJ, 2007.

ELIADE, Mircea. Mito e realidade; tradução de Pola Civelli. – São Paulo: Perspectiva, 2007.

OLIVEIRA, S. M. ; LIMA, A. S. .O Mito na formação da identidade. Dialógica (Manaus), Manaus, 31 jul. 2006.